domingo, 20 de março de 2011

Sint Maarten - mar/11

Nos ausentamos do Pajé e do blog por um bom tempo e diversos motivos. Voltando no tempo um pouquinho, nossa primavera em São Paulo foi tipicamente brasileira: vergonha com os escândalos no governo, irritação com o trânsito, reclamar do juiz numa partida de futebol e rever família e amigos ao sabor de pizzas e churrascos.

Passei por uma pequena cirurgia e minha mãe, que também tinha umas pintas a serem removidas, aproveitou o embalo. Família unida, como diz o ditado. Todos os exames indicaram que mamãe e filhinho passaram por mais essa, ainda bem.

Entre cirurgias e exames, jogos de futebol, encontros com amigos e divertidas tardes com o Ali passou-se um mês e voltamos a Curaçao.

Mas já voltamos prontos para partir e passamos dias atarefados, preparando nosso barquinho, dessa vez para ficar sozinho. Preparar um barco para ficar sozinho dá quase tanto trabalho quanto preparar para navegar, uma infinidade de tarefas. Assim foram os poucos dias em Curaçao, culminando com uma emocionada despedida da Eliza e Torres do Kanaloa.

Tomamos um avião para Ft Lauderdale e passamos mais de um mês por lá, participando em uma série de cursos e exames para obtermos alguns certificados da MCA (agencia marítima inglesa).

Bem puxado, aulas o dia todo, exames dia sim, dia não. Valeu pela revisão e pelo intenso curso de combate a incêndios, onde participamos em simulações dentro de containers escuros, enfumaçados, com fogo, o diabo. Mas conseguimos passar por todos e a Paula, claro, tirou notas mais altas que eu nos cursos que fizemos juntos...

Nas horas vagas tivemos muita diversão passeando com o Caco, Cristina e Raul, na casa de quem passamos a tradicional noite de Thanksgiving e desfrutamos um super jantar em família.

A Paula quis aproveitar e dar um oi pro Mickey e sua turma, portanto lá fomos nós pra Disney e, como quem está na chuva é pra se molhar, também demos um pulo em Hogwarts para visitar o Harry Potter e cia. Fizemos um passeio alucinante em algo parecido com uma montanha russa com efeitos especiais 3D que faziam você se sentir de fato voando numa vassoura! Um fim de semana pro Ali não botar defeito, pena ele não estar lá.

Depois voamos para Genova, Itália, iniciar uma nova fase: tripulantes profissionais num superyacht de 100 pés, Mario de capitão, Paula de Chef. Nossa primeira missão foi navegar através do Mediterrâneo e Atlântico até o Caribe e depois cruzeirar pelas ilhas. Passamos o mês de dezembro preparando o barco com chuva, vento, frio e neve durante o dia, algumas noites com restaurantes deliciosos.

Saímos de Genova com neve no convés, um frio daqueles. Navegar pelo Mediterrâneo no inverno não tem muita graça, além do frio, que bateu recordes nesse inverno, tem que se que driblar as frentes frias que não são brincadeira. Comemoramos o ano novo todos encapotados navegando próximos a Espanha.

Demos muita sorte, saímos de Genova numa janela de tempo excelente e conseguimos chegar até Tenerife, Ilhas Canarias num tiro só, 7 dias. Passamos pelo estreito de Gibraltar num lindo dia ensolarado, um presente. Presente também estava o Guga, cada vez mais figura, com um vocabulário ainda mais incrementado do que quando nos encontramos em Trinidad, 4 anos atrás. Agora ele se comunica através de expressões como Ra tá tá pei! Chamanarrou! Eirrapaiiii!! Mas todo mundo entendia, e além dos três brasileiros, um italiano, um sueco e dois ingleses todos passamos a nos comunicar em Guguês, que virou a língua oficial da viagem.

Ficamos 3 dias em Tenerife, tentando consertar um alternador, reabastecendo, etc. Numa tarde fomos ao cume do Teide, um vulcão extinto com mais de 3700 metros de altura, acima das nuvens. Paisagem lunar, muito frio e até neve.

Normalmente um barco deste porte conta com 4 tripulantes, mas nas longas travessias é padrão utilizar tripulação extra. Ajuda muito nos turnos e também é exigência das seguradoras. Tudo é muito grande e as manobras devem ser realizadas com muito planejamento e cuidado: mastro com 36 metros, retranca com 12, imagina só a potência do brinquedo.

Desligamos o motor na saída do porto em Tenerife e só ligamos para entrar na ponte em St Maarten, 3 mil milhas e 12 dias depois. Uma velejada daquelas, ninguém a bordo antes tinha encontrado condições tão boas e consistentes durante tanto tempo. Viva os ventos alíseos! Monitorávamos a previsão do tempo diariamente e contávamos com a ajuda de um weather router, um meteorologista que te acompanha via internet dando dicas sobre as condições de mar e vento, muito legal. Tivemos 20 a 25 nós de vento pela popa direto, alguns dias tivemos nuvens baixas com chuvonas e rajadas bem mais fortes, o mar maior, mas nessas horas é que os 30 metros de linha d'água faziam a diferença. O barco, projeto Bruce Farr, todo em carbono, só acelerava. Velejamos muito conservadoramente o tempo todo, com vela rizada, pianinho. O objetivo de uma viagem dessas não é bater recordes de velocidade, mas entregar o barco inteirinho pro dono aproveitar na chegada. Mas mesmo indo bem de leve era comum andarmos a 13, 15 nós.

Pescamos nossos dourados, fizemos nossos turnos em noites estreladíssimas e em noites bem desconfortáveis, mais uma travessia, enfim!

Em St Maarten continuou a correria: despachar os tripulantes extras de volta pra casa, limpar e arrumar o barco, fazer provisionamento para a chegada dos convidados. Muuuuito trabalho mesmo, e o pior é que não conseguimos passar as férias com o Alex, e isso nos deixou completamente arrasados. Fiz um bate e volta pra São Paulo no aniversário dele, passamos algumas horas juntos, mas não deu nem pra começar a matar as saudades. Combinamos que isso nunca mais vai acontecer!

Tivemos convidados a bordo por um mês e trabalhávamos das 7 da manhã até a uma, duas da matina. A Paula não saía da cozinha – café da manhã pra tripulação, café da manhã pros convidados, lanche pros convidados, almoço pra tripulação, aperitivos pros convidados, jantar pra tripulação, aperitivos e jantar pros convidados.

E como é ser capitão de um veleiro desses?

Vou dar uma dica: um pouco antes da máquina de secar roupas terminar o ciclo, retire o conteúdo ainda ligeiramente úmido e comece a passar imediatamente, isso ajuda muito, você não precisa ficar borrifando tanta água e, além de tudo, já libera a máquina para mais um lote de roupas. Lençóis e toalhas de mesa enormes também tem um jeitinho: você passa dobrado. Adorei mesmo passar os guardanapos, são pequenos e rapidinho você liquida um monte. Também me aperfeiçoei na arte de dobrar camisetas. O lado bom disso era que lavanderia e tábua de passar roupa ficam ao lado da cozinha e eu podia ficar de olho na cozinheira (um piteuzinho, sensualíssima no seu uniforme e avental de Chef) e abusar da minha autoridade, exigindo beijos e outros favores.

Se por um lado me iniciei e evoluí na arte de timonear o ferro de passar roupas, por outro lado confirmei minha mais terrível percepção sobre barcos: todos quebram. Aliás, vou repetir para quem ainda não conhece o enunciado completo - Não importa se é velho ou novo, grande ou pequeno, vela ou motor, todo barco quebra. O tempo todo.

E assim é! Minha rotina neste ponto não mudou em nada. Conserta-se coisas todos os dias, passa-se horas atrás de fornecedores, técnicos, peças, enfiado no porão, no motor. Incrível. E imagina só o que um barco grande tem de coisas pra quebrar...

Como disse o Lucas do Santa Paz num dia em que estávamos sofrendo, suando as camisas atrás de peças e afins: parece que a gente vive naquelas gincanas, tendo que encontrar coisas impossíveis, correndo de um lado pro outro, apertados em ônibus, taxis, de uma tarefa pra outra. É idêntico!

E agora aqui em St Maarten estamos vivendo exatamente essa fase, de novo... Uma lista imensa de coisas pra consertar, trocar, manter, limpar.

Mas não há de ser nada, daqui a pouquinho os convidados chegam e vou poder voltar feliz da vida pra minha tábua de passar roupa e ficar de olho comprido na cozinheira...

Acho que a lorota toda acima explica nossa prolongada ausência do blog.

Mas não se preocupem, assim que terminar de passar mais alguns lençóis volto a escrever!