segunda-feira, 20 de abril de 2009

Galápagos - abril/2009


O Pajé ganhou uma nova tripulante no Panamá: a Gretchen. Após seis meses de convivência intensa com Frank & Gretchen iríamos nos separar, já que os dois voltariam aos EUA e nós buscávamos o Pacífico. Uma bela noite o Frank disse: ”nós vamos ser os seus line handlers no canal” e eu respondi: por que vcs não aproveitam e vão até a Polinésia com a gente? Papo vai, papo vem ele acabou voltando a Seattle para tomar conta do Loki (o cachorro) e a Gretchen veio com a gente no Pajé. Ficamos muito contentes, pois além de ter virado parte da família e ser excelente companhia, ela nos ajudaria na velejada e turnos nessa longa travessia.

Passamos uma semana na cidade do Panamá finalizando os preparativos e nos mandamos para as Ilhas Las Perlas, um arquipélago bastante próximo. Queríamos descansar antes de iniciarmos a travessia, pois o ultimo mês tinha sido uma pauleira preparando o barco. Estatísticas? Lá vão: 528 latinhas de cerveja, 60 garrafas de rum, 24 garrafas de pastis, 12 garrafas de vinho tinto (estraga fácil), 30 caixas de vinho branco e tinto (tetrapak) e algumas garrafas de champagne. Bom, de essencial foi isso, mas acabamos estocando também: 40 kg de arroz, 20 kg de feijão, 60 kg de farinha de trigo, 20 kg de açúcar, centenas de enlatados como óleo, azeite, condimentos, creme de leite, leite condensado, legumes, frutas em calda, atum, etc. O Pajé recebeu sua cota de 500 litros de diesel, 20 litros de óleo para o motor, 30 filtros e inúmeras outras peças de reposição. Claro que este excessivo provisionamento não foi apenas para a travessia até a Polinésia francesa (só as bebidas alcoólicas...), mas também para termos certa autonomia lá chegando, já que tudo é muito mais caro. A linha d’água do Pajé acusou o golpe e submergiu alguns centímetros. Como isso não pode ficar assim, temos nos esforçado dia e noite para reduzir a carga, bebendo e comendo desvairadamente.

Os dias em Las Perlas foram muito tranqüilos, com caminhadas pelas praias e mergulhos nas águas geladas e coalhadas de águas vivas. Bel e Bob a bordo do Bicho Vermelho nos ajudaram a consumir cervejas e picanhas neste período.

Dia 31 de março Pajé e Bicho levantaram ancora rumo as Galápagos, umas 900 milhas além. Conforme esperado, havia muito pouco vento e tivemos que motorar bastante, quase um terço do caminho. O lado bom é que o mar estava uma piscina, muito, muito tranqüilo. Nunca havia navegado por tanto tempo com o mar tão tranqüilo e o tempo tão bom. Um passeio de fato. E a natureza não economizou: vimos balés e acrobacias de arraias, saltando e dando cambalhotas, golfinhos sempre simpáticos e brincalhões, baleias com seus filhotes e uma lula vermelha enorme! Quando o vento permitia içávamos nossa gennaker que ajudava a colorir ainda mais a paisagem. Mas nada de peixe. Quer dizer, um dia fisgamos um pequeno atum, que devolvi pro mar. Mas tive que agüentar o bico da Gretchen que já estava pensando no sashimi...

Como sempre nas travessias a cozinha foi um sucesso, com as meninas apresentando pratos maravilhosos. Rolou até Crepe Suzette, flambado e tudo! Pra mim sobrava de trabalho apenas a louça no café da manhã. Turnos de 3 horas, iniciados após uma sessão de cinema no cockpit. Às vezes com pipoca, outras com vinho. Lemos muito também. Ilíada, Odisséia e Hornblower entre outros. Paula e Gretchen trocavam aulas de português e inglês. Um dos livros “didáticos” é um livro de receitas...

Certa noite somos acordados pela Gretchen e do convés contemplamos um espetáculo de luz. Estávamos numa área onde o mar apresentava uma tremenda luminosidade. As ondas brilhavam e cada borrifo criado pela passagem do Pajé iluminava a vela grande. Já estávamos acostumados à longa esteira brilhante do Pajé, mas isso superou tudo que já havíamos visto.

Quer dizer, só não superou a passagem pela linha do Equador. Reza a tradição que todos ao cruzarem esta linha pela 1ª vez têm que ser aceitos por Netuno. Na cerimônia da Gretchen este Deus dos mares esteve particularmente benevolente e permitiu sua passagem sem exigir maiores sacrifícios. Ela só pagou um mico ao ter que solenemente implorar clemência, saltar sobre a linha imaginária e dançar uma sensual musica pagã, vestida a caráter. Convenhamos, é pouco para contentar um Deus tão poderoso (pessoalmente sou mais chegado numa imolação), mas como não tínhamos nenhuma virgem a bordo ficou por isso mesmo.


Depois de 8 pacíficos dias chegamos a San Cristobal com o nascer do sol. O Bicho havia chegado um dia antes e ancorado ao lado do Itusca. À noite fomos todos a um restaurante e conhecemos o Carlão, James e Morongo que estavam no Itusca com o Diogo e Flavio.
A turma no Itusca era do surf e aproveitou a parada em Galápagos para fotos e filmes para a Mormaii, conhecida marca no mundo das ondas. Assim, todo o dia tinha sessão de surf. O véio aqui se empolgou. Tirei as teias de aranha da prancha e me aventurei com a galera. Mas não deu em nada, estou completamente enferrujado e as condições de Tongo reef e Loberia, com fundos de pedras e drops rápidos exigiam mais do que eu podia dar. Mas foi uma delícia assim mesmo. Remar, estar em meio às ondas e bons amigos mais do que valeu. Aproveitei de tabela, vendo a rapaziada com o surf no pé, mandando muito bem. O James, fotógrafo, clicou as sessões e muito gentilmente nos permitiu colocar algumas fotos aqui para registrar a maravilha que é o pico.
Foto: James Thisted
Foto: James Thisted
Foto: James Thisted
Foto: James Thisted

Foto: James Thisted
Foto: James Thisted


A Paula, a pedidos, fez mais uma de suas estupendas moquecas e tivemos uma noite e tanto a bordo do Itusca. Presenteamos o Morongo com uma roupa de borracha da Mormaii, minha primeira, ainda em excelente estado e que eu guardava há quase trinta anos. Pelo jeito, vai para o museu da Mormaii em Garopaba.
Foto: James Thisted

Fizemos todos juntos um passeio/mergulho e vivemos momentos incríveis nadando e brincando com os filhotes de lobo marinho. Alucinante! Os bichinhos são as maiores figuras, nadam muito perto, olham no olho, fazem acrobacias, te acompanham, vem nadando na maior velocidade na direção do seu rosto e só desviam na ultima hora, depois que têm certeza que te assustaram. A Paula até tomou um empurrão de um mais afoito. San Cristobal é conhecida como a ilha dos lobos marinhos. Eles dominam o lugar. Ficam pelas calçadas, sobem nos bancos das praças, nos veleiros (se não fechar o barco, eles entram) e nos botes. Um se apegou ao bote do Bicho e o Bob até o levou pra dar um passeio com a Paula e Gretchen. Pena que o Ali não está aqui, ele iria pirar.



Foto: James Thisted


A natureza aqui é de pirar qualquer um. Darwin inclusive. Segundo ele próprio, sua teoria da evolução das espécies foi inspirada pelas Galápagos. Um arquipélago de origem vulcânica, com algumas ilhas extremamente jovens - menos de um milhão de anos, vejam só - localizado na confluência de diversas correntes marinhas frias e quentes e a mais de 600 milhas do continente. Essa combinação resultou numa variedade de flora e fauna inigualável. Espécies tipicamente tropicais convivem com espécies típicas de águas frias e sabe-se lá por que (quer dizer, alguém deve saber, eu é que não sei) em algumas ilhas alguns pássaros têm patas azuis, em outras patas vermelhas, e em outras nem voar voam, em algumas os iguanas se alimentam debaixo d’água, em outras nas crateras dos vulcões. As flores endêmicas são todas amarelas porque as abelhas daqui só gostam dessa cor. Sei lá, mil coisas...



Foto: James Thisted

Foto: James Thisted

Foto: James Thisted

Foto: James Thisted

Foto: James Thisted

Enfim, o lugar é um desbunde para biólogos e estudiosos em geral. Para o ignorante resto de nós é um lugar exótico e de difícil acesso. Gostaríamos de ter visto mais da tão alardeada riqueza natural dessas ilhas, mas não conseguimos. A necessária proteção a natureza combinada a necessidade de gerar receitas através do turismo criou um situação peculiar e desinteressante sob nosso ponto de vista. Não se pode ir a praticamente nenhum lugar sem o uso das empresas credenciadas locais. Para se ir com essas empresas credenciadas paga-se os olhos da cara e se vê apenas algumas partes previamente designadas. Sem o uso dessas empresas então, sobram alguns poucos lugares e pequenos parques/institutos onde se vêem apenas algumas tartarugas cativas. Exceção feita aos incríveis lobos marinhos de San Cristobal, que de fato são o máximo, autênticos e estão com tudo.